quarta-feira, 26 de maio de 2010

066. Juliette (Conto) - 2009


1.

No radio soava La Foule na voz da divina Edith Piaff enquanto José fumava seu ultimo cigarro em sua cama, já pronto para mais uma noite normal de sono, compre sempre foi em toda sua vida. Mas não imaginava que nessa noite ele estava prestes a encontrar algo que sempre sonhou, mas não sabia desse sonho escondido em seu coração. Aos 28 anos, um rapaz feito na vida, um bom advogado. Não lhe faltava nada na vida, nem mesmo dignidade ou amizades, mas se sentia vazio quando via que quase todo mês ele era convidado a um casamento de algum de seus amigos. Como é possível, todos na mesma faixa de idade, e ele o único solteiro? Parecia as vezes que Deus implicava com ele e lhe privava de um grande amor. Porque isso?
Ele se levantou da cama ao final da música, que terminou justamente com seu cigarro e ao CD que soava, justamente La Foule era a ultima canção. Desligou o rádio, foi ao banheiro fazer um xixi, para não sentir vontade durante a noite. Deixou a luz acesa no banheiro e foi fechar a janela, porque chovia muito lá fora. E dirigiu-se a sua cama, apagou a luz de sua cabeceira e encostou sua cabeça no travesseiro com olhos para o teto, ainda abertos. Aos poucos eles foram fechando e José caia no sono, sem dificuldade. De repente um trovão lá fora lhe desperta desse rápido cochilo de nem um minuto. E a luz do banheiro se apaga. Com certeza algum poste de eletricidade que foi atingido. Ele se virou, abraçou o lençol, fechou seus olhos e voltou ao seu sono.
Ele ainda meio desperto com seus olhos fechados, parecia que via luzes suaves que iam mudando de cores pouco a pouco e meio incomodado a essa situação abriu rapidamente os olhos e fechou. E em sua cabeça continuava soando La Foule, quando por fim conseguiu pegar no sono.
Despertou por volta das 6 da manhã muito agitado, com um ar meio tenso. Levantou-se, foi ao banheiro que já estava com sua luz acesa, que seguramente o poste foi consertado, por isso voltou a luz. Ele fez seu xixi matinal, apagou a luz do banheiro e foi para a cozinha. Meio avoado sentou-se na cadeira da cozinha, acendeu um cigarro, fumou ele inteiro, abriu a geladeira que tinha apenas uma garrafa de leite, colocou o que sobrava num copo e tomou num gole. Foi ao seu escritório, dentro de sua própria casa. Pegou um papel e uma caneta, e fez uns rabiscos amadores, com a forma de uma garota com longos vestidos, como uma dançarina de Can Can, em baixo escreveu “Juliette”. Largou a caneta. Foi tomar um banho, afinal tinha que ir trabalhar, tinha pouco menos de uma hora para chegar lá, mas por sorte era próximo de sua casa.
Passou todo o dia muito calado, um pouco pensativo, como se alguém tivesse morrido. Estava incomum, afinal ele sempre foi um rapaz muito ativo, conversador, era o palhaço da turma do escritório. Mas esse dia, pela segunda vez, desde que seu pai faleceu, ele se portava assim. As pessoas perguntavam o que ele tinha, e apenas dizia que não teve uma boa noite de sono, apesar de ter dormido por sete horas seguidas sem interrupções. Mas ainda assim ele alegava isso, afinal não seria possível explicar a experiência que viveu nessa noite, em um sonho.


2.

Já eram quase 11 da noite. José terminará de comer faziam poucos minutos, ele dirigiu-se a seu quarto, ligou o som e colocou outra vez seu CD de músicas francesas, e colocou no final do disco para ouvir suas músicas preferidas, Heir Encore de Charles Aznavour e outra vez Edith Piaff. Tentando acreditar que poderia ter outra vez uma noite como a anterior, mesmo sabendo que seria algo impossível, não escolhemos nossos sonhos, se pudéssemos, dormiríamos a vida todo, para viver de sonhos.
Deitou-se para escutar a música e ao final fala baixinho para si:
- Juliette.
E mal terminou a música, ele já estava dormindo, sem ao menos ter feito o xixi que sempre faz. Como se ele fosse buscado por alguma força maior a esse sono. E dormiu outra vez até as seis da manhã, e acordou como na manhã anterior, sem despertador, sem nada.
Ele se levantou com um ar assustado, foi ao banheiro para lavar o rosto. Olhou-se no espelho, viu-se com um rosto frio e triste. Ficou olhando-se por quase um minuto. Ao final sorriu, como quem despertou da melhor noite de sua vida. Parecia que um feitiço foi jogado. De um instante para o outro, como uma pessoa poderia mudar tanto. Ele foi para a cozinha, cheio de disposição, preparou um café da manhã, pegou o saco de pãos, manteiga, frios, leite, preparou até um café. Sentou-se para comer e disse ao léo:
- Bom dia, meu amor. Bom dia!
E comeu como um príncipe, parecia um morto de fome, que não via um prato de comida há dias. Levantou-se da mesa, deixou tudo ali. Foi preparar-se para trabalhar, era sexta feira, o que não era um grande pretexto para ele estar feliz, afinal, com todos seus amigos e primos se casando, ele se via cada fim de semana mais sozinho, trabalhar era um consolo para seus dias de homem solteiro.
Chegou ao trabalho radiante, cumprimentou a todos. Miguel seu melhor amigo em seu trabalho, que recentemente se casou com Sonia, a consultora de finanças do escritório, chegou para ele:
- Hum, to gostando de ver. Que passarinho te mordeu, rapaz? Parece até que viu passarinho colorido!
- Pois é. – Disse José, dando leves risadas. – Passarinho vermelho.
- Espera ai, você pode ir me contando essa história! Oras, somos ou não somos amigos? Não admito segredos.
- Miguel! – Diz José perdendo o sorriso que estava em seu rosto. – Tive uma noite mas tranqüila. Deu para descansar bem.
- Hum, danado, quem foi a passarinha vermelha?
- Ninguém não, Miguel. Não foi ninguém.
José se dirige a sua sala antes que Miguel siga falando com ele. Quase uma tortura ao ver que vivia um felicidade irreal. Aos poucos, no decorrer do dia José foi caindo na real. Ele estava apenas sonhando. Sua vida era a mesma desde que Simone lhe deixou. Sem nada de novo. Apenas esses sonhos loucos.
José chegou em sua casa após seu ultimo dia de trabalho da semana. Sentou-se no sofá da sala pensativo. Abriu uma garrafa de vinho e tomou sozinho.
Quase meia noite, ninguém ligará para ele com algum convite para sair a noite. Ele viu que o tempo estava passando, as coisas já não eram mais como antes. Como era possível em coisas de três anos tudo mudar tão radicalmente em sua. Parecia que a vida era corrida, e ele estava sendo deixado para trás por todos. José deitou-se no sofá com os olhos para o teto e falou sozinho:
- Juliette! – E riu. Ele levantou-se, ligou o som da sala e colocou um CD de Caetano Veloso, preferindo evitar invocar novamente aqueles sonhos loucos. E ali ficou por quase uma hora, quando terminou o disco. Ele foi tomar uma ducha para deitar-se, afinal no sábado ele deveria visitar sua mãe que desde que se tornou viúva, fez-se dependente de seus filhos que sempre passavam o final de semana com ela.
Deitou-se na cama a cantarolar La Foule. Quando se deu conta automaticamente se interronpeu. Não queria viver uma fantasia. E mantinha-se com os olhos abertos como quem não tem sono, mas apenas fugindo dele. Parecia temer sonhar novamente com Juliette. Uma pessoa que sequer existe.


3.

Não seu nem dez minutos, ele já estava embalado em mais uma noite se sono e sonhos. Nesse sonho ele parecia estar num jardim, lugar muito diferente dos outros dois sonhos que teve. Ele se deita na grama e sente gotas de chuva em seu rosto que começavam a cair. Ele colocou sua mão sobre o rosto para que não caia em seus olhos e ali continuava. Via que ao seu redor as pessoas continuavam a caminhar como se nada passasse. Via casais que caminhavam abraçados, os homens com seus casacos largos cobriam as cabeças de suas parceiras enquanto se ensopavam de chuva. E ele se via sozinho, tanto espaço, tanta coisa ao seu redor, e ele sozinho, parecia que uma solidão tomava conta de seu peito, até que um véu vermelho lhe cobriu a cabeça. Ele esfregou os olhos para sair a água que lhe escorria pelo rosto e viu dois olhos verdes como água, cabelos loiros quase castanhos molhados que caiam em sua direção. Não era possível! Era ela novamente.
Ela deitou-se ao seu lado com o véu cobrindo suas cabeças. Seus olhos muito próximos. Ela olhava seus olhos de maneira muito profunda. Ele jamais tinha visto um olhar daqueles, nem de Simone que fora seu maior amor. Parecia que esses olhos grandes e verdes lhe roubavam a alma, ele se sentia impotente a qualquer gesta, ato ou palavra. Ele se mantinha calado, hipnotizado.
- Você não esta sozinho. Você tem a mim, meu amor! – Disse ela. E ele se mantinha calado, não sabia o que dizer. Ele já se dava conta que estava em mais um sonho. – Venha comigo. Eu te quero para sempre. – Longo silêncio. – Fica comigo!
- É impossível, Juliette. É impossível.
- Nada é impossível. Basta você querer. – Ele virou os olhos calado. Ela lhe tocou a face delicadamente e lhe fez carinho. Fechou seus olhos com os dedos e tocou seus lábios com os seus.
- Fica comigo, meu amor!
- Você é um sonho! – Indagou José virando o rosto ao lado oposto. E tudo se manteve em silencio e ele virou o rosto e viu aquela imagem linda. Parecia um desenho, uma pintura. Jamais havia visto imagem tão bela ante seus olhos.
- Eu não sou um sonho. – Silencio. – Eu existo.
- Não! Você não existe.
- Você não esta me vendo? – Diz ela com olhos tristes, como quem esta sendo abandonada.
- Te vejo! Mas eu estou sonhando. Você é um sonho. – Ele fixa os olhos em seu olhar triste. – Você é um sonho. Porque você esta fazendo isso comigo?
- Eu existo, eu estou aqui! Estou dentro de você. Não mulher de estar apenas perto de quem amo. Quero estar mais que junto, quero estar dentro de você!
- Não faça isso comigo. Minha vida não é aqui. Minha vida esta lá fora, em meu trabalho, minha família, meus amigos.
- Eu sei, eu sei, meu amor... mas não podia mas te ver triste e sozinho como tenho visto ultimamente. Então vim te encontrar, te cuidar. Quero te fazer feliz.
- Mas isso não existe. Não é possível. É impossível!
Ouve-se um trovão muito alto. José tira o véu de sua cabeça para ver o céu, quando vê que esta tudo escuro. Um trovão lhe havia despertado. Já eram cinco horas da manhã e amanhacia outro dia de chuva. Ele olhou para o lado e viu-se sozinho. De volta a sua realidade. Era realmente impossível.


4.

José como de costume foi desde o falecimento de seu pai, foi visitar sua mãe. Teve um sábado comum como os outros. Já menos perturbado com o sonho. Parecia que se conformará com o fato de estar vivendo uma vida paralela, onde os dias duram pouco mais de 6 horas.
E José seguiu por muitas noites apenas desfrutando dessa paixão irreal. Se sentia até mais feliz depois de uma semana, como se estivesse realmente namorando. Algumas pessoas até já sabiam de Juliette, mas apenas como uma namorada que trabalha muito e todo final de semana tem que viajar a trabalho, por isso ainda não fora apresentado a todos. Afinal não deixava de ser verdade. Todos os dias ela viajava a sua noite, a seu encontro, de algum lugar que nem ele imaginava onde era. Mas sabia que sempre ela vinha. Sempre ela estaria lá, para ele não sentir-se sozinho.
Já passará mais de um mês desde que começaram esses sonhos em suas noites. Ele como de costume desde que se confirmará a esse amor, colocava seu CD e escutava e se deixava embalar pela voz de Edith Piaff. Numa noite ele dorme por fim. E em seu sonho Juliette não estava. Ele se procurava, passará por todos lugares que seu sonho lhe permitia. Parou diante de uma arvore e ali em cima estava ela sentada com uma roupa de bailarina de Can Can e como jamais havia passado, ele escutava Milord de Edith Piaff, uma canção feliz com clima de Cabaret. Mas ao contrario da canção ela não estava triste, chorava. E José apenas olhava para cima. Ela lhe disse:
- Adeus!
José se espantará!
- Como assim? Porque adeus?
- Não posso mas vir te ver.
- Mas porque? Porque isso? Depois de tanto tempo!
Ela descia da arvore escorrendo como se fora água de chuva descendo pelos galhos. Ela termina de escorrer e termina deitada no chão e ele se agacha tentando acudi-la.
- Porque? – Disse ele com os olhos marejados.
- É impossível!
- Mas como? Estamos tão bem, há mais de um mês juntos. Eu te amo.
- Mas não é mais possível seguir assim.
- Isso é um sonho. Tudo é possível! Nada é impossível em sonhos.
- Mas você não é sonho. Você é vida! – Disse ela com os olhos cheios de lagrima. – Você não pode mais viver assim.
- Não me abandone! – Disse ele em desespero.
Juliette se levanta e começa a caminhar. Ele pega sua mão e seguem juntos sem rumo. Ele tremia, temendo que essa fosse a ultima noite com seu grande amor.
- Isso é um sonho, tudo é possível. Inclusive você não me abandonar! – Disse ele com vos chorosa.
- Mas não podemos escolher em que vamos sonhar. E acabou. Esse sonho acabou. No próximo pode ser que você seja o super homem, uma aranha, uma ave... não sei. Só sei que não será mais meu José.
Ele se mantem calado. Eles param em cima de uma pedra no alto de uma linda paisagem de natureza, uma cachoeira ao fundo. Pássaros que voam em direção a água, tomam um pouco e alçam novamente vôo rumo ao céu. Um vento sopra sobre as roupas de Juliette que lhe dão a impressão de que esta voando. E ele sente que seu braço esta esticando e ela se distanciando. Quando ele se dá conta ela esta acima do chão, levitando e começa a ir em direção ao horizonte à aquela paisagem linda até suas mãos se soltarem uma da outra. Ele começa a chorar como uma criança em desespero e ela cochicha de longe.
- Vem, meu amor, vem comigo! Você ainda esta sonhando. Aproveite e voe comigo pela ultima vez.
Ele foi em direção ao horizonte, abriu seus abraço e como um manto o vento sopra seus braço que lhe eleva em direção a ela. Ele estava voando.
- Isso, meu amor. Agora estamos juntos para sempre.
Com medo da altura ele pegou a mão dela e lhe abriu um sorriso.
- Quem me dera, minha vida.
- Estamos juntos, para sempre. Salte, salta, voe, voe... – Dizia ela quase cochichando. E ele aos poucos solta a mãe de Juliette e percebe que começa a perder altura, caindo em direção a um rio. Ele fecha os olhos e só escuta. – Salte, meu amor, voe!


5.

José abre os olhos e apenas vê que esta caindo no chão.
José estava na calçada de sua rua. Saltará do oitavo andar de seu edifício, ao encontro de sua amada, para sempre.
E assim foi.


(Bruno Cohen - 29.Janeiro.2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário